segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Uma promiscuidade imunda na Aldeia!

A culpada é a Vista. Não, isso não constitui a verdade, o culpado é o Ouvido. Mentira! A verdadeira infracção é a escassez de discernimento, a abundância de estupidez e a fraqueza que povoam o Coração. Na sua Aldeia, a Vista, o Ouvido e o Coração acordaram agitados. Ignotos da real origem da sua precariedade social e humana, apontavam a culpa um ao outro até que, finalmente, se desentenderam.


Homem adulto que se sentia, convencido da sanidade das suas faculdades físicas, mentais e psicológicas, diante do sofreguidão em que se encontrava, o Coração compreendeu que não lhe restava outra alternativa a não ser Parar de Sofrer. Tomou o Ópio do Povo e ensandeceu. 

A Vista, crente num discurso miserabilista e hermeticamente ineficaz em relação à necessidade de se ofertar duros golpes à pobreza absoluta que rechaçava  a si, incluindo os seus próximos, abriu a vista e criou patos. Imbuído da auto-estima criacionista – vigente naqueles dias na sua Aldeia – decidiu empreender. Que pena, o Criador Original se esqueceu de passar-lhe os truques para o sucesso: as aves, vítimas  do vírus  causador de “new castle”, nada mais produziram do que algumas dezenas de ovos podres que, no lugar de perpetuarem a espécie, legaram àquela região da Aldeia um odor nauseabundo perante o qual se há memórias são de algumas claras e gemas que se encrostam nalgumas carapaças. A experiência da Vista foi desastrosa. “Não é qualquer Vista que, com o business de criar patos fica bem-sucedida”, ficou-lhe claro.

O Ouvido, no seu mutismo e cegueira habituais, permaneceu inerte, simplesmente, a escutar o rumo dos acontecimentos com a sua sabedoria saloia.

Galanteador, como sempre, com uma voz indefinidamente romântica, apaixonante e apaixonada, aparentemente, igual ao Criador Original, o Coração era o único bem-sucedido entre os irmãos. Mudou o traje informal que sempre o caracterizara, por outro tipo de vestimenta que além de valer-lhe um novo sotaque, confundindo-se assim as suas origens, contribuiu para que facilmente convencesse outros corações sôfregos, carentes, necessitados para Pararem de Sofrer aderindo ao Ópio do Povo.

Orgulhoso em resultado da sua riqueza e prosperidade, fruto de conquistas permanentes de corações sôfregos, débeis e necessitados, o Ópio quis alargar a sua esfera de acção:  criou propagandas religiosas, difundidas pela televisão, com o fim de proliferar e infestar a Aldeia com o seu romantismo. Até aqui tudo estava bem. Mas o Ópio, desvirtuando-se da sua missão original, começou a vilipendiar o Coração em pleno público, atacando a sua cultura e tradição.

À guisa de exemplo, considerou que o sofrimento do Coração era movido e estava assente na esteira (símbolo da  tradição e cultura da sua Aldeia) em que desde tenra idade repousara na sombra de um canhueiro. Outros corações aperceberam-se de que se o Ópio entendia que a pobreza absoluta contra a qual o Criador Original, ainda que bem-sucedido no seu negócio de criação de patos, travara uma batalha inglória, se torna fecunda devido à esteira, então, no dia seguinte, o Ópio podia afirmar que a Marrabenta, o Tufo, a Xiguinha, a Palhota, a Capulana, por exemplo, também são fontes de toda a  lepra que lhes acompanhava, o que não é verdade.

Meticuloso, como invariavelmente sempre fora, o Ouvido ficou a saber que, em pelo menos em duas Aldeias, lá nas bandas do Ocidente, as práticas do Ópio estavam a ser vítimas de um processo de investigação criminal. Porque é que o mesmo não acontecia na nossa Aldeia?, questionou-se o Coração perante o Ouvido que, em jeito de comentário, acrescentou:  o Criador Original não está nem tão pouco preocupado com isso. Estranho não é? 

O Coração, cuja estupidez e escassez de discernimento que habitavam a sua essência ia se reduzindo, convenceu o Ouvido – o depositário de todas as verdades com as suas mentiras – para que se reassociassem à Vista a fim de analisarem criteriosamente os factos. Posto isso, compreenderam que o Ópio e o Criador Original eram sócios. E não lhes faltaram argumentos: Porque é que no dia da inauguração da Catedral-mor, o Ópio do Povo esteve reunido, a portas fechadas, com o Criador Original numa situação em que a Aldeia é laica?  

Eu, Aldeia, tenho medo das perguntas que o Coração, a Vista e Ouvido me colocam porque sabem que se o Ópio do Povo e Criador Original andam consorciados numa Aldeia laica que sou isso, no mínimo, isso representa uma promiscuidade imunda

Escrito por Inocêncio Albino 







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