sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Arte contemporânea movimenta Maputo!


No Primeiro de Agosto do ano em curso, a capital moçambicana, Maputo, movida pelo Muvart, deixou de ser uma cidade pacata “perdida” na África Austral e movimentou-se. A partir da referida efeméride até o fim do mês, os seus citadinos começaram a encontrar satisfação para o seu ego – a arte contemporânea.

Para o poder político nacional, semelhante aos outros dias desprovidos de uma visibilidade especial no calendário nacional, o Primeiro de Agosto continua a ser um dia amorfo e sem significado cativo. Entretanto, considerar o mesmo perante os artistas e amantes das artes não parece reunir algum consenso.


 Na noite do mesmo dia, o Centro Cultural Brasil-Moçambique observou um movimento humano insólito, o que não significa que o referido local seja inerte no aspecto de interacção artística e cultural entre povos.

O facto é que cidadãos moçambicanos, brasileiros, portugueses, alemães, suíços, alemães, por exemplo, idos de diversas partes do país e do mundo, acorreram ao espaço em alusão (no centro da urbe) para testemunhar a cerimónia inaugural da V edição da Bienal do Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique, Muvart, que decorre em Maputo até o dia 31 de Agosto.

A arte contemporânea é estranha

Convenhamos então que, em resultado da relação que se estabelece entre si e o mundo das artes e cultura (em resultado do curso do tempo), o autor destas linhas encontra-se impelido a reconhecer (como válidas) não somente as palavras do crítico de arte português, Fernando Wagner, autor da Teoria e Técnica Teatral, ao afirmar que “Na música ou na arte há uma técnica tão perfeitamente definida, que ninguém ousaria dar um concerto ou exibir um quadro sem anos e anos de estudo e uma carreira dura, difícil e bem programada”, como também a compreensão do curador suíço Luc Andrie quando, em jeito de preparação psicológica do público que visitará as “atrocidades artísticas”, (na verdade representações sociais do seu mundo que ele e os seus conterrâneos colocam em mostra no mesmo espaço) que expõe – no referido evento – considerando que “a arte contemporânea é estranha e, por essa razão, não é compreendida pelas pessoas”.

“Se para que a arte seja realizada efectivamente é preciso que antes de mais, (como Fernando Wagner, cuja opinião partilhamos, explicou) se trave uma carreira de muitos anos, (bem) definida e programada, como é que se pode explicar a existência de artistas de tenra idade como Pappy, uma criança de sete anos que aos quatro exibiu as suas obras de arte configurando-se como o mais novo artista plástico de Moçambique?”, assim questionaria o leitor mais atento do nosso suplemento cultural. A questão não tem uma resposta axiomática. Nem tudo se explica. A verdade é que muitos génios nem sempre foram compreendidos, e disso os artistas são um excelente exemplo.

Outra verdade é que perante um tópico segundo o qual O Homem Branco Já Não Tem Pele, em nome das artes contemporâneas, levado a Moçambique por Luc e o seu grupo de artistas suíços (e apresentado com base num português falado em jeito de improvisações), ninguém deixaria de aplaudir a imaginação criativa dos referidos criadores, incluindo a crítica.

O facto é que, a par do objectivo de promover uma tensão entre o ponto de vista feminino e masculino acerca do mesmo assunto, como Luc Andrie explicou, muitas questões se podem desenvencilhar, muito em particular quando se percebe que com as suas anomalias cutâneas o Homem ocidental – presentemente desprovido de pele – agora ruma para África: será isso uma profecia?

Qual é o futuro deste ser humano? O que o moveu a sofrer tantas modificações e transformações no seu organismo? Qual é a sua esperança e expectativa em relação ao continente africano? Qual é a situação (habitual) da Europa? E com que aspecto cosmológico África se apresentará num futuro próximo depois de travar tal relação com o Homem branco?

Muitas outras questões poderiam ser elaboradas, mas estas têm alguma consonância em relação ao tópico exposto e, em certo grau, servem de um ponto de partida para se “dialogar” com seres humanos num processo de mutação, muito em particular quando o seu autor fundamenta que tais metamorfoses se devem ao facto de o mesmo ente representar “um Homem que vive numa enorme e inimaginável solidão. Uma personagem cansada, aborrecida com os seus sentimentos e que, debalde, está constantemente a correr atrás de novos projectos que colocam a relação com o seu ser, o seu corpo, os seus sentimentos, a sua maneira de viver em crise”.

Nada melhor que reservar um tempo para apreciar tais trabalhos desenvolvidos com base em técnicas como pintura, desenho, movimentos performativos incluindo alguma linguagem poética, presentes no Centro Cultural Brasil-Moçambique. @ Verdade esteve no local e ficou comovido com um rosto de um homem, literalmente aborrecido, que parece estar a altercar com quem olha para si formulando- lhe uma série de questões incisivas.



Ninguém percebe

Que se percebam agora as razões das “reivindicações” para a notabilização do Primeiro de Agosto no calendário artístico nacional: nessa data, o Movimento da Arte Contemporânea de Moçambique (Muvart) celebrou o seu 10º aniversário de existência; deixou de ser uma realização adstrita a um único espaço físico, o Museu Nacional de Arte, sendo que muitas outras instituições como, por exemplo, o Instituto Camões, a Fortaleza de Maputo, o Centro Cultural Brasil-Moçambique, o Instituto Cultural Moçambique-Alemanha, a Associação Cultural Kulungwana disponibilizaram as suas infra-estruturas para acolher o evento; o Muvart criou uma plataforma artística para o encontro entre diversos artistas experientes, entre moçambicanos e estrangeiros, na qualidade de curadores de arte, e os mais jovens muitos dos quais a frequentar cursos de arte da capital; entretanto, se consideramos que um número não menos reduzido de artistas participantes vem de outros países (Brasil, Alemanha, Suíça, por exemplo) perceberemos que o impacto do Muvart ganha um outro cariz, o económico e turístico.


Por todas estas razões, o Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique é uma realização perante a qual os moçambicanos se devem orgulhar porque são eles que a realizam em cada dois anos continuamente. E é por tudo isso que o Muvart não deve passar despercebido, porque os outros argumentos, mormente os artísticos, são muito complexos: a arte não é compreendida por todos.
É como afirma Luc: “A arte contemporânea é algo muito complicado. É uma experiência perante a qual ultimamente se tem muitas dificuldades para percebê-la de modo que seja aceite pelo povo. No entanto, ela representa um trabalho de pesquisa muito importante”.
Mais salutar ainda é que na experiência do Muvart “os seus organizadores, com muita força e coragem, experimentaram desenvolver um trabalho cuja qualidade sempre temos dificuldades de reconhecer, mas que é algo muito benigno e que deve ser indispensável na cultura moçambicana, como é na cultura dos demais povos”.

Preencher o nosso ego

Para preencher o vazio que habita o nosso ego, no âmbito da mesma iniciativa, tivemos a oportunidade de visitar pelo menos três casas culturais das oito que acolhem o evento.
Há uma semana, tínhamos presenciado uma mostra que agitou a nossa mente, de tal sorte que pensávamos que aquela era a última vez que criações artísticas nos surpreenderiam. Debalde, foi um puro engano: quando chegámos no Instituto Camões nos confrontámos com uma Profunda Aflição Mental, um conjunto de quadros criados por David Mbonzo.

São obras de arte que traduzem realidades que habitam o mesmo espaço físico connosco no dia-a-dia e, por extensão, com muitos moçambicanos perante as quais a assunção de que são sobrenaturais justifica o seu tratamento eternamente protelado. Quem não conhece um tabu, um fantasma, um feiticeiro, práticas espíritas? Quem está (totalmente) satisfeito com o habitual estado das coisas? Seja qual for o comentário, o facto é que situações como estas questões percorrem as nossas emoções e o nosso lado psíquico. E é sobre isso que David Mbonzo se debruça nos seus quadros: as nossas crises, angústias, expectativas, etc.

Uma distância (in)significante

Que assuntos os artistas reflectem nas suas obras? Talvez esta seja a pergunta mais pertinente por se colocar sempre que alguém visita uma exposição de arte.

Além de ser um espaço cativo – por reflectir sobre a mesma indagação – a criação conjunta de duas jovens de nacionalidades diferentes (uma moçambicana, Maimuna Adam e Cornelia Enderlein, alemã) denominada Entre Ali e Aqui é uma prova irrecusável de que a arte é uma linguagem universal perante a qual nenhuma barreira física e geográfica impede de brotar: até à data do seu encontro, estas cidadãs cosmopolitas não se conheciam. No entanto, realizaram um trabalho colectivo que pode ser apreciado no ICMA.

A verdade é que o referido trabalho – planificado e estruturado com base nas tecnologias de informação e comunicação para a concertação de ideias entre as criadoras – “se concentra em questões sobre a transformação como produto de processos gerados pela proximidade, distância, acesso, exclusão, e pela (não) comunicação”.

Enquanto a cidadã alemã encontra na nuvem um elemento que define perfeitamente a sua acção artística, por não conhecer fronteiras muito menos obstáculos, dando a percepção de um símbolo de transformação, a moçambicana, Maimuna Adam, regista mãos que exploram a habilidade que o corpo humano possui para comunicar sem recorrer à língua.

Por fim, em conjunto, as artistas colocam na sua criação pontos que representam pontos de convergência nas vidas das suas pessoas que, ainda que não se conhecessem, têm vários elementos em comum, um dos quais a arte.

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