No
Primeiro de Agosto do ano em curso, a capital moçambicana, Maputo, movida pelo
Muvart, deixou de ser uma cidade pacata “perdida” na África Austral e
movimentou-se. A partir da referida efeméride até o fim do mês, os seus
citadinos começaram a encontrar satisfação para o seu ego – a arte
contemporânea.
Para o
poder político nacional, semelhante aos outros dias desprovidos de uma
visibilidade especial no calendário nacional, o Primeiro de Agosto continua a
ser um dia amorfo e sem significado cativo. Entretanto, considerar o mesmo
perante os artistas e amantes das artes não parece reunir algum consenso.
Na
noite do mesmo dia, o Centro Cultural Brasil-Moçambique observou um movimento humano
insólito, o que não significa que o referido local seja inerte no aspecto de
interacção artística e cultural entre povos.
O
facto é que cidadãos moçambicanos, brasileiros, portugueses, alemães, suíços,
alemães, por exemplo, idos de diversas partes do país e do mundo, acorreram ao
espaço em alusão (no centro da urbe) para testemunhar a cerimónia inaugural da
V edição da Bienal do Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique, Muvart,
que decorre em Maputo até o dia 31 de Agosto.
A arte contemporânea é estranha
Convenhamos
então que, em resultado da relação que se estabelece entre si e o mundo das
artes e cultura (em resultado do curso do tempo), o autor destas linhas
encontra-se impelido a reconhecer (como válidas) não somente as palavras do
crítico de arte português, Fernando Wagner, autor da Teoria e Técnica Teatral,
ao afirmar que “Na música ou na arte há uma técnica tão perfeitamente definida,
que ninguém ousaria dar um concerto ou exibir um quadro sem anos e anos de
estudo e uma carreira dura, difícil e bem programada”, como também a
compreensão do curador suíço Luc Andrie quando, em jeito de preparação
psicológica do público que visitará as “atrocidades artísticas”, (na verdade
representações sociais do seu mundo que ele e os seus conterrâneos colocam em
mostra no mesmo espaço) que expõe – no referido evento – considerando que “a
arte contemporânea é estranha e, por essa razão, não é compreendida pelas
pessoas”.
“Se
para que a arte seja realizada efectivamente é preciso que antes de mais, (como
Fernando Wagner, cuja opinião partilhamos, explicou) se trave uma carreira de
muitos anos, (bem) definida e programada, como é que se pode explicar a
existência de artistas de tenra idade como Pappy, uma criança de sete anos que
aos quatro exibiu as suas obras de arte configurando-se como o mais novo
artista plástico de Moçambique?”, assim questionaria o leitor mais atento do
nosso suplemento cultural. A questão não tem uma resposta axiomática. Nem tudo
se explica. A verdade é que muitos génios nem sempre foram compreendidos, e
disso os artistas são um excelente exemplo.
Outra
verdade é que perante um tópico segundo o qual O Homem Branco Já Não Tem Pele,
em nome das artes contemporâneas, levado a Moçambique por Luc e o seu grupo de
artistas suíços (e apresentado com base num português falado em jeito de
improvisações), ninguém deixaria de aplaudir a imaginação criativa dos
referidos criadores, incluindo a crítica.
O facto é
que, a par do objectivo de promover uma tensão entre o ponto de vista feminino
e masculino acerca do mesmo assunto, como Luc Andrie explicou, muitas questões
se podem desenvencilhar, muito em particular quando se percebe que com as suas
anomalias cutâneas o Homem ocidental – presentemente desprovido de pele – agora
ruma para África: será isso uma profecia?
Qual
é o futuro deste ser humano? O que o moveu a sofrer tantas modificações e
transformações no seu organismo? Qual é a sua esperança e expectativa em
relação ao continente africano? Qual é a situação (habitual) da Europa? E com
que aspecto cosmológico África se apresentará num futuro próximo depois de
travar tal relação com o Homem branco?
Muitas
outras questões poderiam ser elaboradas, mas estas têm alguma consonância em
relação ao tópico exposto e, em certo grau, servem de um ponto de partida para
se “dialogar” com seres humanos num processo de mutação, muito em particular
quando o seu autor fundamenta que tais metamorfoses se devem ao facto de o
mesmo ente representar “um Homem que vive numa enorme e inimaginável solidão.
Uma personagem cansada, aborrecida com os seus sentimentos e que, debalde, está
constantemente a correr atrás de novos projectos que colocam a relação com o
seu ser, o seu corpo, os seus sentimentos, a sua maneira de viver em crise”.
Nada
melhor que reservar um tempo para apreciar tais trabalhos desenvolvidos com
base em técnicas como pintura, desenho, movimentos performativos incluindo
alguma linguagem poética, presentes no Centro Cultural Brasil-Moçambique. @
Verdade esteve no local e ficou comovido com um rosto de um homem, literalmente
aborrecido, que parece estar a altercar com quem olha para si formulando- lhe
uma série de questões incisivas.
Ninguém
percebe
Que se
percebam agora as razões das “reivindicações” para a notabilização do Primeiro
de Agosto no calendário artístico nacional: nessa data, o Movimento da Arte
Contemporânea de Moçambique (Muvart) celebrou o seu 10º aniversário de
existência; deixou de ser uma realização adstrita a um único espaço físico, o
Museu Nacional de Arte, sendo que muitas outras instituições como, por exemplo,
o Instituto Camões, a Fortaleza de Maputo, o Centro Cultural Brasil-Moçambique,
o Instituto Cultural Moçambique-Alemanha, a Associação Cultural Kulungwana
disponibilizaram as suas infra-estruturas para acolher o evento; o Muvart criou
uma plataforma artística para o encontro entre diversos artistas experientes,
entre moçambicanos e estrangeiros, na qualidade de curadores de arte, e os mais
jovens muitos dos quais a frequentar cursos de arte da capital; entretanto, se
consideramos que um número não menos reduzido de artistas participantes vem de
outros países (Brasil, Alemanha, Suíça, por exemplo) perceberemos que o impacto
do Muvart ganha um outro cariz, o económico e turístico.
Por
todas estas razões, o Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique é uma
realização perante a qual os moçambicanos se devem orgulhar porque são eles que
a realizam em cada dois anos continuamente. E é por tudo isso que o Muvart não
deve passar despercebido, porque os outros argumentos, mormente os artísticos,
são muito complexos: a arte não é compreendida por todos.
É
como afirma Luc: “A arte contemporânea é algo muito complicado. É uma
experiência perante a qual ultimamente se tem muitas dificuldades para
percebê-la de modo que seja aceite pelo povo. No entanto, ela representa um
trabalho de pesquisa muito importante”.
Mais
salutar ainda é que na experiência do Muvart “os seus organizadores, com muita
força e coragem, experimentaram desenvolver um trabalho cuja qualidade sempre
temos dificuldades de reconhecer, mas que é algo muito benigno e que deve ser
indispensável na cultura moçambicana, como é na cultura dos demais povos”.
Preencher
o nosso ego
Para
preencher o vazio que habita o nosso ego, no âmbito da mesma iniciativa,
tivemos a oportunidade de visitar pelo menos três casas culturais das oito que
acolhem o evento.
Há
uma semana, tínhamos presenciado uma mostra que agitou a nossa mente, de tal
sorte que pensávamos que aquela era a última vez que criações artísticas nos
surpreenderiam. Debalde, foi um puro engano: quando chegámos no Instituto
Camões nos confrontámos com uma Profunda Aflição Mental, um conjunto de quadros
criados por David Mbonzo.
São
obras de arte que traduzem realidades que habitam o mesmo espaço físico
connosco no dia-a-dia e, por extensão, com muitos moçambicanos perante as quais
a assunção de que são sobrenaturais justifica o seu tratamento eternamente
protelado. Quem não conhece um tabu, um fantasma, um feiticeiro, práticas
espíritas? Quem está (totalmente) satisfeito com o habitual estado das coisas?
Seja qual for o comentário, o facto é que situações como estas questões
percorrem as nossas emoções e o nosso lado psíquico. E é sobre isso que David
Mbonzo se debruça nos seus quadros: as nossas crises, angústias, expectativas,
etc.
Uma
distância (in)significante
Que
assuntos os artistas reflectem nas suas obras? Talvez esta seja a pergunta mais
pertinente por se colocar sempre que alguém visita uma exposição de arte.
Além de
ser um espaço cativo – por reflectir sobre a mesma indagação – a criação
conjunta de duas jovens de nacionalidades diferentes (uma moçambicana, Maimuna
Adam e Cornelia Enderlein, alemã) denominada Entre Ali e Aqui é uma prova
irrecusável de que a arte é uma linguagem universal perante a qual nenhuma
barreira física e geográfica impede de brotar: até à data do seu encontro,
estas cidadãs cosmopolitas não se conheciam. No entanto, realizaram um trabalho
colectivo que pode ser apreciado no ICMA.
A verdade
é que o referido trabalho – planificado e estruturado com base nas tecnologias
de informação e comunicação para a concertação de ideias entre as criadoras –
“se concentra em questões sobre a transformação como produto de processos
gerados pela proximidade, distância, acesso, exclusão, e pela (não)
comunicação”.
Enquanto
a cidadã alemã encontra na nuvem um elemento que define perfeitamente a sua
acção artística, por não conhecer fronteiras muito menos obstáculos, dando a percepção
de um símbolo de transformação, a moçambicana, Maimuna Adam, regista mãos que
exploram a habilidade que o corpo humano possui para comunicar sem recorrer à
língua.
Por fim,
em conjunto, as artistas colocam na sua criação pontos que representam pontos
de convergência nas vidas das suas pessoas que, ainda que não se conhecessem,
têm vários elementos em comum, um dos quais a arte.
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